sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Alimentação adequada e saudável: direito de todos

Parte II de uma coleção de três artigos sobre Segurança Alimentar e Nutricional, escritos por Evandro Pontel* e Irio Luiz Conti**, em comemoração, no mês de outubro, o Dia Mundial e a Semana da Alimentação.

No Brasil estamos vivendo um tempo especial na área da segurança alimentar e nutricional (SAN). Acabamos de realizar conferências municipais, regionais e territoriais de segurança alimentar e nutricional que envolveram participantes de mais de 2.800 municípios brasileiros. Na sequência tivemos a realização das conferências estaduais em todos os estados e no Distrito Federal. Em breve teremos a 4ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que se realizará em Salvador, na Bahia, de 7 a 10 de novembro, com previsão de reunir cerca de dois mil participantes do Brasil e do exterior. Este amplo processo de mobilização social e governamental que está envolvendo milhares de pessoas evidencia que vivemos um tempo favorável para avançarmos na efetivação do direito humano à alimentação de todas e todos os brasileiros.
Inspirados pela inclusão do direito à alimentação na Constituição Federal, em 2010, ousamos adotar nesta 4ª Conferência o tema: Alimentação adequada e saudável: direito de todos. A Conferência visa construir compromissos para efetivar o direito humano à alimentação adequada e saudável por meio da Política, do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e da implantação de planos de SAN, a partir de análises dos avanços, ameaças e perspectivas para a efetivação desse direito em todo território nacional.
No Brasil houve avanços significativos nos últimos anos com a implementação de diversas leis acompanhadas da implantação de vários programas e ações que garantem o direito humano à alimentação adequada. Foram criados e instalados CONSEAs e recentemente houve a realização das conferências de segurança alimentar que impulsionaram diversas iniciativas e programas nesta área. Inegavelmente, a Conferência de Salvador reconhecerá estes e tantos outros avanços que efetivamente alçaram o país como referência nacional e internacional em iniciativas de promoção de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, aliadas a outras políticas sociais.
Por outro lado, convivemos com ameaças como a contaminação dos alimentos decorrente do uso desregrado de agrotóxicos que causa graves problemas à saúde da população e ao meio ambiente. Desde 2008 o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e em 2010 a média per capita alcançou 5,2 quilos. Nenhum outro país pulveriza a quantidade de agrotóxicos que o Brasil aplica na produção de alimentos. Somente em 2010 foram vendidas 725,6 mil toneladas dessas substâncias, movimentando aproximadamente 7 bilhões de dólares na venda de produtos. Em 2009 a ANVISA coletou e analisou diversas amostras de alimentos (hortaliças e frutas) e os resultados mostraram que entre 29% e 80% das amostras possuíam dosagens acima dos limites tolerados. As irregularidades identificadas referem-se tanto à aplicação excessiva de agrotóxicos não autorizados para as devidas culturas, como também à aplicação de agrotóxicos banidos ou não permitidos em nenhuma cultura. Deste modo, ao mesmo tempo que ainda temos a falta de acesso à alimentos adequados e saudáveis temos uma grande quantidade de alimentos que chegam às nossas mesas contaminados.
As conferências municipais, territoriais e estaduais identificaram, enfaticamente, que a maioria das ameaças está relacionada a um tema que precisamos debater mais em todos os espaços: a matriz do desenvolvimento brasileiro que influi diretamente na produção, distribuição e consumo de alimentos. Atualmente coexistem dois modelos de desenvolvimento. Um se expressa pelo modelo agroexportador, caracterizado pelas grandes propriedades, monoculturas intensivas, uso intenso de agroquímicos, equipamentos e máquinas modernas, baixa utilização de mão de obra, disseminação intensiva de sementes transgênicas e uso de agrotóxicos. Este modelo gera poucos postos de trabalho, concentra terra, água e renda, acelera a degradação ambiental e deixa milhares de pessoas excluídas de seus direitos fundamentais, inclusive o direito humano à alimentação adequada e saudável. Por outro lado, se fortalece um modelo de desenvolvimento que se assenta na agricultura familiar e camponesa, constituído por unidades de produção diversificadas, geradoras de trabalho e renda, voltadas prioritariamente ao mercado interno e à produção de alimentos para o autoconsumo, à soberania e segurança alimentar e nutricional e à realização do direito humano à alimentação adequada e saudável.
Como podemos perceber, os participantes da 4ª Conferência Nacional de SAN analisarão os avanços e ameaças, mas também se debruçarão sobre os desafios que precisam ser enfrentados para que tenhamos o direito à alimentação adequada e saudável efetivado. Entre os desafios podemos citar a erradicação da desnutrição e a garantia da alimentação adequada e saudável aos 16,2 milhões de cidadãos brasileiros que ainda vivem em situação de extrema pobreza e vunerabilidade social e alimentar; a consolidação da Política e do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, mediante a articulação de um conjunto de ações e programas que abranjam desde o acesso à terra, à água e aos recursos produtivos, até o enfrentamento dos transgênicos e agrotóxicos e a transição para a produção de alimentos baseada em unidades de produção familiares de matriz agroecológica que garantam a produção, o abastecimento e o consumo de alimentos saudáveis e; não menos importante é a adoção de medidas urgentes de reversão das taxas de excesso de peso e obesidade, aliadas com iniciativas de educação alimentar e nutricional para que a população tenha todas as condições de se alimentar de modo adequado e saudável.
Oxalá aproveitemos esta oportunidade gerada pelos processos das conferências de segurança alimentar e nutricional para discutir e implementar ações que efetivamente garantam o direito à alimentação adequada e saudável como um direito de todos e todas em cada um dos lugares onde vivemos.

*Evandro Pontel é Graduado em Filosofia e Teologia, professor na REDESAN/UFRGS
**Irio Luiz Conti é Mestre em Sociologia, professor na REDESAN/UFRGS, conselheiro do CONSEA Nacional e presidente da FIAN Internacional.

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